sexta-feira, agosto 17, 2007

Adeus, Munique...



Foram apenas quatro dias, mas as postagens sobre Munique renderam mais de uma semana. E não à toa: fiquei encantado. A cidade foi o exemplo mais perfeito de tudo aquilo que eu já tinha ouvido sobre a Alemanha, mas também mostrou-se exatamente o contrário de algumas lendas e mitos bastante comuns no Brasil.

Do que eu já sabia: as bicicletas têm um espaço fantástico, são muito usadas em toda a cidade, por todas as pessoas. Ciclovias por todos os lados, semáforos específicos, paraciclos, estacionamentos, bicicletas de uso público... Enfim, o verdadeiro paraíso para quem acredita nas possibilidades do melhor veículo já inventado pela espécie humana.

O transporte público é impecável: metrô, bondes e ônibus atuam de maneira interligada, com tarifa única, pontualidade de horários, informação sobre itinerários, limpeza interna e faixas exclusivas para o tráfego dos coletivos.

Em São Paulo, a "cidade que não dorme" só existe para quem tem um carro. Quanto mais longe do centro, menos transporte público tem o paulistano. Mesmo na região central, a diversão na madrugada é só para 30% da população (e olhe lá). Circular em Munique é algo que pode ser feito nas 24 horas do dia, por qualquer pessoa.



Pedestres são valorizados ao extremo: áreas exclusivas na região central, calçadas largas por toda a cidade, semáforos específicos em cada esquina e, principalmente, respeito absoluto nas travessias. Para quem vem de São Paulo, é emocionante atravessar uma rua a qualquer hora do dia e não ser ameaçado.

No começo a gente estranha, fica olhando para os dois lados da rua, meio descrente, e até agradece ao motorista que "deixou" a gente atravessar a rua. Em pouco tempo dá pra acosutmar. É tão normal, faz tanto sentido...

Aí vem a revolta, a tristeza de morar em uma cidade onde nem pintar faixas de pedestre as autoridades são capazes, quando muito educar (inclusive com punições) os motoristas para que respeitem a vida.

Aí vem o sentimento de impotência frente a tanta estupidez cotidiana nas ruas de São Paulo, de ver carros buzinando para pedestres nas faixas, de ver a popularização dos vidros escuros anti-humanos (que impedem a comunicação no trânsito e aumentam os riscos de mortes), de ver pedestres correndo amedrontados quando o semáforo fica vermelho, de ver que são raros os que exigem direitos e cumprem obrigações, de ver que a lei da selva é, na verdade, a lei do asfalto.



Do que eu não sabia a respeito dos alemães, ficou a grata surpresa de um povo bastante aberto, receptivo e alegre. A imagem do alemão carrancudo, fechado, que "se acha" é uma generalização estúpida, igual a dizer que brasileiro é vagabundo.

Munique é uma cidade do mundo, por onde circulam pessoas de todas as partes, com uma qualidade de vida e um planejamento urbano de dar inveja a qualquer ser humano. É cosmopolita, viva, acolhedora.



É claro que tudo isso tem um preço (cobrado em Euros). Mas quanto do dinheiro público e privado de São Paulo não vai para o ralo, ou melhor, para debaixo para dentro dos tanques e bolsos de alguns poucos?

Que a relação geopolítica de exploração entre o primeiro e o terceiro mundo ainda existe e é responsável por muitas de nossas mazelas, é fato. Mas será que não cabe a nós mesmos tomar as rédeas de nossa vida para nos livrarmos da exploração externa e interna?



Distribução de terra, de renda, de oportunidades, do espaço urbano, de diplomas universitários, dos livros, do acesso à cultura, das riquezas... A Alemanha já passou por tudo isso (com duas guerras devastadoras no meio do caminho). No Brasil, seguimos acreditando que construir um Brasil de todos (não apenas no slogan) é "coisa de comunista, anarquista ou baderneiro", de gente que é contra a ordem e o progresso...

Temos medo de enfrentar pra valer as reformas e revoluções pelas quais a Europa já passou há mais de dois séculos e criar outras novas transformações, típicas deste século ou da nossa realidade no sul global.

Somos covardes nas políticas e ações que visam proporcionar melhor qualidade de vida para todos e seguimos acreditando que enriquecimento de alguns faz bem pra todo mundo, que o crescimento da indústria automobilística é motivo de festa e que a queda do risco Brasil significa uma melhoria na vida de todos.

Acabar com o reacionarismo e com a passividade dos povos que habitam o Brasil talvez seja a única forma de teremos algo parecido com Munique em 20, 30 ou até 50 anos.

Enquanto isso não acontece, abençoada seja Munique! E até a próxima!

voltar ao topo

Comments:
CANSEI... do Brasil.
 
tem sido sensacional acompanhar teus relatos e reflexões de viagem, viu!

siga bem por estes caminhos, boas descobertas!
 
Foi tão boa essa série de posts. Ah, lembrei de você hoje de manhã. o bundia brasil constatou que o cogestionamento não está só no centro de São Paulo. Em seguida,nos comerciais, anúncio de um feirão qualquer coisa de carros...
 
Vou ficar em um problema mais simples: respeito aos pedestres. O que eu, Fabio, posso fazer para melhorar isso? Desisti de bater boca com o infrator. Desisti de ligar pro 156. Até agora foram atitudes em vão. O que eu posso fazer? Acho vergonhoso morar em um lugar onde poucos segundos de alguem guiando um veiculo motorizado valem mais que a vida de alguem andando a pé.
 
Cara, eu adoro esse blog! Parabéns!
 
Única blog que acompanhei na vida e continuo acompanhando.

Eu que vim há alguns meses de uma cidade menor, chego em São Paulo e me deparo com uma verdadeira selva de asfalto, em que qualquer travessia de rua parece uma aventura, ou uma fuga. Deixar de ter total atenção, habilidade, e prever sempre o pior, por um momento sequer, pode nos levar ao hospital ou ao IML, a cada quarteirão.
É inacreditável. Como se naturalizou tal coisa?

N.L.
 
Adoro o blog e o visito frequentemente, mas nesse [ultimo post me ficou uma questão:
"Distribução de terra, de renda, de oportunidades, do espaço urbano, de diplomas universitários, dos livros, do acesso à cultura, das riquezas... A Alemanha já passou por tudo isso (com duas guerras devastadoras no meio do caminho)."

A alemanha já distribuiu tudo isso?

Não conheço o primeiro mundo, mas por lá vai tudo tão bem?

Hehe, moro em sampa, recentemente visitei Curitiba me identifiquei com laguns de seus relatos,em proporções totalmente diferentes é lógico.

Abraços, e força pra seguir em frente!
 
Muito interessantes e ricos seus relatos. Moro na Alemanha a mais de 1 ano e lhe digo que não é só Munique que é assim, mas a grande maioria das cidades. O respeito com o ciclista e o pedestre é altíssimo, as pessoas em geral respeitam as regras, existem uma grande consciência coletiva de que cada tem seu lugar na sociedade e deve respeitar o próximo. Isso é fantástico aqui, realmente invejável quando comparamos ao Brasil. As cidades alemãs são modelos de algo bem sucedido, inteligente, que privilegia as pessoas e a convivência com a cidade. Só tenho que discordar parcialmente de você em um aspecto: os alemães são em sua maioria fechados, carrancudos. Realmente, qualquer generalização é burra e estúpida, você tem toda razão. Nesse tempo aqui construí amizades com alemães e vivi momentos de simpatia e cordialidade inesperados, assim como conheço inúmeros brasileiros chatíssimos, carrancudos ao extremo. Mas, no dia-a-dia, a condição geral é de falta de simpatia, de um certo mal humor e falta de paciência. Mas só vivendo aqui para ver e sentir, entender na pele o significado de "es geht nicht".

Um grande abraço e parabéns pelo blog! É certamente um dos melhores na net.
 
O pior, Ludista, é saber que, com certeza, muitos dos que moram aqui, tem carro com vidros escuros, de modelos iguais aos daí, Mercedes, Ferraris, Audis etc..., que não respeitam o transito, xingam, ameaçam, atropelam, jogam o carro em cima, estacionam nas calçadas, param em cima da faixa de pedestres, buzinam...quando vão pra Europa, agem como os europeus...
 
Em 2004 fui da Suiça à Holanda de bike. É possivel, pois ao longo de Rio Reno há uma ciclovia que permeia o rio.O rio faz a divisa entre Suiça e lemanha, depois Alemanha da França. Dá para entrar nas pequenas cidades que ficam perto do rio Reno.
Em relação às ciclofaixas, é o que venho dizendo sempre: é barato e eficiente.Porém governo prefere, quando quer, fazer as ciclovias.O dinheiro que se gasta numa ciclovia dá para pintar centenas de quilômetros de faixas, incluindo faixa de pedestres.
 
Você conhece a revista "piauí"? Tem uma reportagem interessantíssima com um professor da FAU-USP que não dispensa a sua bicicleta para se locomover em Sampa.
Um bom abraço.
 
Postar um comentário

<< Home