sexta-feira, janeiro 20, 2006

Diários do Lebronx II

As calçadas do Leblon (e do resto da zona sul) são largas, muito largas. Construção do tempo em que os prédios não tinham grades e o mar não era habitado por algas mutantes criadas no esgoto.

Algumas calçadas abrigam ciclovias, outras são ocupadas por carros estacionados. Existe um terceiro tipo, predominante na arquitetura urbana: ferros fincados no chão, mini-barricadas de concreto, vasos de plantas e canteiros dispersos estrategicamente para impedir o acesso dos motorizados. Pedestre anda em zigue-zague e às vezes tem que se espremer ou caminhar pela rua.

As ciclovias permitem pequenos trajetos de bicicleta, o que é fantástico. Quem mora na "ilha sul" faz muita coisa à pé ou de bicicleta. Nos bairros ricos de São Paulo, o sujeito vai de carro até a esquina. Além do medo, comum nos dois lados da ponte aérea, o uso do carro pelos paulistanos é facilitado pela imensa área urbana abocanhada pelos mais de 9 mil estacionamentos particulares e pelas vagas grátis nas ruas largas de calçadas estreitas. Até padaria e banca de jornal têm estacionamento na terra da garoa.

Nas duas cidades, a política de estacionamento acaba sendo a mesma: acomodar os carros no espaço existente. Em São Paulo, a especulação imobiliária expandiu a cidade, mandou os pobres para longe, construiu fortalezas de 20 andares para os ricos e destruiu quarteirões de casas para dar lugar a estacionamentos.

No Rio, os prédios baixos construídos no início do século passado não deixaram espaço para o exagero que é a cultura do "1 carro por pessoa". Demolir uma casa de 1910 é aceitável. Demolir um prédio da mesma idade é mais chocante, caro e trabalhoso; não pega bem, ainda mais em uma cidade que vende a beleza para sobreviver. Em São Paulo, Malufs, Adhemares e comparsas fizeram fortunas com planos urbanísiticos voltados para o automóvel. No Rio a política é a "tolerância mil, educação zero".

Além das largas calçadas do Leblon e das faixas de pedestre, os carros também têm suas vagas "normais". Só que em quase todas as ruas e horários do dia existe um parquímetro humano, ou melhor, um morador dos bairros pobres trabalhando como guardador de carro. Aqui eles são chamados de flanelinhas e são oficiais. Existe um programa municipal chamado Vaga Certa, mistura de assistencialismo, absorção de tensões sociais, educação e engenharia de trânsito.

O Vaga Certa funciona como uma espécie de pegádio urbano implícito, uma "parceria" entre o Estado e a Economia Informal S.A.: o motorista é obrigado a comprar um cartão para estacionar, como na Zona Azul paulistana ou nos parquímetros americanos. Em algumas ruas, o cartão é válido por um período determinado, mas pode ser reutilizado em outras vagas no mesmo dia. Ou seja, para tirar o carro de casa, o motorista da zona sul é obrigado a gastar dinheiro com estacionamento.

Calma paulistano, o caráter oficial do Vaga Certa não é a panáceia para a extorsão praticada pelos guardadores: em locais de alto movimento e pouca polícia (geralmente "acertados" entre as autoridades e a Economia Informal), o preço escapa da tabela oficial e continua valendo a lei do "pague pela proteção do seu patrimônio".

O caráter educativo fica só no nome: "motorista, esta é a vaga certa". Mas já que o estacionamento nas calçadas não exige cartão e raramente termina em multa, as vagas nos locais de pedestres são as mais cobiçadas. E tome barricada de concreto para impedir a fome dos automóveis por espaço.

PS: Como não estou de carro no Rio, não sabia que o programa Vaga Certa sofreu alguns pequenos ajustes nos últimos . O principal, no entanto, foi a mudança de nome: hoje chama-se Rio Rotativo.

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Comments:
Hoje passeando pelo centro do Rio vi algo que custei a acreditar. Ao lado do reformadíssimo edifício Andorinha, um prédio que pegou fogo a muitos anos no centro, tem um edifico antigo com enormes placas de "edifício garagem", custei a acreditar, já que a fachada tem janelas iguais a de um prédio comum, mas olhando com atenção, vi a indefectível pilastra pintada com listras pretas e amarelas, tão características de estacionamentos.

Ou seja, além do belo trabalho de "retrofitar" o Andorinha no "Torre Almirante", eles transformaram um prédio de escritórios em edifício garagem. Definitivamente tem algo de muito errado com essa cultura automobilística.

Aliás, o Torre Almirante é alugado pela Petrobras (todo ele) por algo em torno de 30 milhóes de reais anuais se não me engano.
 
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