segunda-feira, setembro 12, 2005

Nova Orleans e a miséria americana


(clique nas imagens para ampliá-las)

O aviso foi mais ou menos assim: "pegue suas coisas e saia da cidade, pois o furacão pode ser perigoso". Milhares de motoristas encheram seus veículos com quinquilharias, pegaram a família e saíram em massa pelas congestionadas auto-pistas da Louisiana. (foto: Dave Martin, AP)

Muitos ficaram na cidade. Alguns por decisão própria, outros por total falta de condições para sair: ter um carro, um parente em outro estado ou dinheiro sobrando para bancar estadia em hotel não é para qualquer um. Mesmo a nação mais rica do mundo ainda conta com uma boa parcela menos favorecida. Ficaram, como diria Caetano Veloso, os "pretos e pobres, que são quase todos pretos".



A foto acima foi tirada por Margaret Bourke-White durante a Grande Depressão dos anos 30, mas serve como irônica e triste metáfora para a Nova Orleans da era Bush. "O mais alto padrão de vida do mundo", diz o cartaz atrás da fila de desempregados.

Nos dois dias seguintes ao furacão, o presidente estava de férias no seu rancho. No terceiro dia, mandou um grande efetivo da Guarda Nacional e anunciou que saqueadores seriam fuzilados. Abaixo, a distinção necessária para uma região que só reconheceu formalmente os direitos civis dos negros na década de 1960.

À esquerda, uma foto da Reuters. A legenda divulgada dizia que o casal tinha "acabado de encontrar pão e refrigerante em um supermercado local". Na foto à direita, a legenda da Associated Press afirmava que o rapaz tinha "acabado de saquear um supermercado".

Na Meca do jazz os corpos continuam boiando e o lixo da sociedade mais consumista do mundo ainda não foi recolhido. Mesmo assim, as tropas imperiais seguem em guerra pela imposição da "liberdade e da democracia" ao redor do mundo. Mais de 25 mil civis iraquianos foram mortos até agora. Em Nova Orleans, estima-se em 10 mil as vítimas da omissão governamental. Afinal, alguém tem que buscar combustível barato para alimentar os automóveis nos casos de emergência.

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Comments:
como sempre um post excelente! a matéria da carta capital dessa semana tá ótima também, dá pra ler online http://www.cartacapital.com.br/index.php?funcao=exibirMateria&id_materia=2919
 
Como sempre, a culpa é de Bush. O prefeito de New Orleans e a governadora da Louisiana, ambos democratas, não têm responsabilidade nenhuma. Para quem está cansado desse papo mole de culpar Bush por tudo, sugiro ler os dois artigos abaixos, escritos por jornalistas brasileiros nos EEUU, sobre o assunto:

http://www.dcomercio.com.br/noticias_online/486614.htm
http://www.diegocasagrande.com.br/index.php?open=artigos&id=1668

Quanto às fotos, a mesma coisa: se um negro foi prejudicado, o problema é sempre o racismo dos brancos (negro nunca é racista). Uma explicação (em inglês) dada pelos fotógrafos para as lengendas se encontra em:

http://www.snopes.com/photos/katrina/looters.asp

Para variar, não podia deixar de haver uma menção ao Iraque. Milhares foram mortos. Certo. Mas quantos deles foram mortos pelos terroristas iraquianos? Quantos foram mortos nos mais de 20 anos de ditatura de Sadam Hussein? Não interessa. Interessa saber apenas aqueles mortos por americanos.

É uma pena... Gostei muito do blog quando o encontrei. Pensei que se tratasse do blog de alguém que amasse as bicicletas. Enganei-me. O que se vê aqui é ódio: ao carro, aos motoristas, ao capitalismo, aos Estados Unidos...
 
Sinto decepcionar, mas este blog não é sobre o amor às bicicletas, apesar deste amor existir. Também tenho amor pelos pedestres, por cadeirantes, por motoristas concientes e, principalmente, por uma sociedade que valorize o espaço público, as condições iguais de circulação e vida e também a harmonia com o que está ao seu redor.

Este blog é sobre uma sociedade que tem como meio de transporte algo que representa valores muito profundos, que vão além da simples locomoção: o status, o individualismo, o consumismo irresponsável, a degradação acentuada do meio ambiente, a agressividade no convívio, o desrespeito e a substituição das esferas públicas pelo mundo privado marcado pela futilidade.

Importante também é diferenciar ódio de crítica. Em nenhum momento foi dito que os EUA deveriam desaparecer da face da terra ou que Saddam Hussein era um grande homem.

Obrigado pela indicação do texto de Olavo de Carvalho, velho conhecido...Tentei, mas só consegui ler até a parte em que ele diz "os americanos criaram a única sociedade decente que existe no planeta"...

Esta mesma sociedade esteve envolvida em quase todas as guerras e golpes de Estado do último século, foi a única a utilizar armas de destruição em massa (bombas atômicas) e armas químicas (agente laranja, entre outros).

Esta sociedade (e seu representante maior) propaga uma forma de vida insustentável, baseada no individualismo e no consumo (e nisto o automóvel como cultura ocupa papel central). Se existisse mais um país no mundo do tamanho dos EUA e com a mesma forma de vida, o mundo sucumbiria rapidamente em uma catástrofe ambiental.

Claro que existem (muitas) excessões, resitências e meandros. No entanto, os exemplos utilizados no texto servem para ilustrar a triste crônica de um país que se afirma (através de suas posturas políticas e culturais) como "mais avançado" e detentor exclusivo dos padrões corretos de vida humana, mas apresenta atitudes retrógradas, destrutivas e pouco solidárias (e não falo aqui de caridade, mas sim de respeito).
 
sem comentários...
Racismo, continuismo, consumismo, filhadaputismo, americanismo, patriotismo, descriminação,é o Tio Sam é muito legal!!
 
Roberto, o próprio Snopes, no link que você citou, dá seu veredito:

Claim: Photograph captions describe a black man "looting" and a white couple "finding" supplies in the wake of Hurricane Katrina.

Status: True.

A explicação do fotógrafo que tirou a foto do casal branco é até coerente. E quem escreveu essa legenda não tem o que esclarecer. Mas a outra explicação dada é um blablabla sobre estilo de redação. Não é uma justificativa, é apenas uma boa desculpa.

Os brancos haviam pego alguma coisa em uma loja inundada e sem portas. O negro deve ter feito o mesmo. Duvido que ele tenha arrombado uma loja para roubar refrigerante. E, mesmo que tenha feito isso, ele estava obtendo algo para beber. Não posso dizer que no seu lugar, no meio de uma catástrofe como essa e sem água potável, eu não arrombaria uma loja para levar latas de refrigerante para casa...

Se o cara estivesse arrebentando uma vidraça com uma pedra para levar um DVD Player ele deveria ser chamado de saqueador. Se ele estava no meio da água, carregando um pacote de refrigerante e um saco que ninguém sabe o que tem dentro, ele não pode ser chamado de saqueador. Deveria ser chamado de sobrevivente.

Sim, existem negros que exageram e vêem o racismo em tudo, mas há muito racismo que brancos não conhecem porque nunca o sofreram. Racismo disfarçado, que brancos não percebem e que mesmo os negros às vezes não notam, mas nem por isso deixam de ser penalizados em função disso.

Vamos saber nos colocar no lugar dos outros.
 
luddista,

Quando o jornalista Olavo de Carvalho diz que "os americanos criaram a única sociedade decente que existe no planeta", ele está expressando a opinião dele, com a qual eu também não concordo. Entretanto, isso não invalida tudo o mais o que ele relata no artigo. Se eu fosse parar de ler um texto a cada vez que encontro algo com que não concordo, então não leria nada do que você escreve.

O grande problema é que os Estados Unidos viraram o bode-expiatório mundial. Usam-se dois pesos e duas medidas para os EEUU e para os demais países. Culpar Bush por tudo de ruim que acontece é mais fácil do que tentar entender o mundo complexo em que vivemos.

Se a tragédia tivesse ocorrido em São Paulo, seria justo culpar Lula, mas não Serra ou Alckmin? Se não seria justo culpar o presidente num país em que tudo gira em torno do governo federal -- como é o caso do Brasil --, imagine então num país como os EEUU, que é de fato uma república federativa, onde os estados têm autonomia em relação ao poder central. Esses detalhes são deixados de lado pela grande imprensa, porque, mais uma vez, é mais fácil culpar Bush.

China e Rússia, para ficar em dois exemplos, têm extensa folha corrida quando se trata de guerras, poluição ambiental, desrespeitos ao direitos humanos, etc. Onde estão as críticas a esses dois países? A propósito, "apocalipse motorizado" é o que está em gestação na China. Leia os seguintes artigos do jornalista Janer Cristaldo, declarado antipatizante dos automóveis e simpatizante das bicicletas:

http://www.baguete.com.br/coluna.php?id=458&nome=janercristaldo
http://www.baguete.com.br/coluna.php?id=16&nome=janercristaldo

Houve uma época em que eu também engrossava o coro antiamericano. Hoje, graças a Internet, essa invenção americana, eu tenho acesso a informações que me fazem ver a realidade com outros olhos. Há muitas pessoas que denuciam um mal não em nome de um bem, mas em nome de um outro mal. Com essas não me quero alinhar. Bush pode ser ruim, mas muitos -- não todos! -- dos que o combatem são tão ruins quanto ou ainda piores que ele.

Sou um ciclista urbano, antes de qualquer coisa, por opção, por prazer, por gosto. Por isso, entendo o que você trata aqui no blog, apesar de não concordar com seu ponto de vista.

Saudações!

P.S.: Saddam Hussein usou armas químicas contra parte do próprio povo (os curdos).
 
Meu caro Roberto, obrigado novamente pelas ponderações.

Sobre o Olavo de Carvalho, não é pre-conceito, é conceito. Já li muita coisa dele (na revista Época). É uma espécie da Paulo Francis de quinta, de Diogo Mainardi mais rabugento, não dá pra levar a sério. A visão dele sobre o mundo é muito (mas muito) distante da minha.

Não concordo que os presidentes sejam os únicos seres humanos responsáveis pelo destino de uma nação, mas é assim que eles se colocam. Bush é o "Commander in chief", assim como Fidel Castro, El Comandante, assim como ACM é o "painho" da Bahia. Considerando isso, o que fiz foi uma crônica sobre uma sociedade que se afirma como dententora de todas as virtudes, mas que mascara boa parte de suas mazelas.

A tentativa de hegemonia cultural, política e econômica não é um plano de Bush para dominar o mundo, mas sim uma estrutura complexa que envolve muitos setores e interesses. Isso não torna a crítica e a tentativa de reverter essa hegemonia menos importante.

Por fim, relendo o meu texto, precebi que a única crítica direta à Bush foi feita em um único parágrafo (de um total de 6). Todas os outros falam dessa estrutura complexa da sociedade estadunidense.

E tomara que China e Rússia não sigam no caminho do American Way of Life por muito tempo, pois realmente será uma grande catástrofe para o planeta Terra.

Obrigado pelas dicas de artigos.
grande abraço!
 
Se Saddam era um carrasco, que os Estados Unidos interferissem de forma BENÉFICA. Se não tinha condições de interferir de forma BENÉFICA, que não interferisse de forma MALÉFICA, dando continuidade ao barbarismo que "tando condena". Sem contar que usou de desculpas estapafúrdias, armas de destruição em massa, para ir em busca de petróleo. Antes continuassem com o carrasco NACIONAL.
 
Willian,

O Snopes.com é conhecido por tentar descobrir se há verdade em rumores, notícias estranhas, lendas urbanas, informações controversas, fofocas sobre celebridades, etc. No caso das fotos, o site confirma apenas a existência das mesmas, não do racismo. Permita-me traduzir esse trecho que você citou:

Claim [alegação]: Photograph captions describe a black man "looting" and a white couple "finding" supplies in the wake of Hurricane Katrina. [Legendas de fotos descrevem um homem negro "saqueando" e um casal de brancos "encontrando" mantimentos nos rastros do furacão Katrina]
Status: True [Verdadeiro].

Nessa mesma página do Snopes, lê-se que o fotógrafo flagrou o homem negro (e outras pessoas) entrando na loja e pegando os bens, por isso usou o termo "saquear". O casal de brancos, assim com outras pessoas, entre elas pessoas negras, pegou os produtos que estavam boiando numa área perto de um mercado. Quem tirou a foto do casal foi outro fotógrafo.

Eu não julgo as pessoas que pegaram produtos necessários numa situação como essa, mesmo tendo que invadir um estabelecimento comercial. O problema não é esse. O problema é a leviandade que leva alguém a apontar como racistas os resposáveis pelas fotos. Se em vez de negro, o "saqueador" fosse branco, a questão estaria liquidada, não havendo racismo nenhum. E ninguém se importaria nem um pouco se um branco fosse mostrado como saqueador. O pior é que, branco ou negro, quem aparece na foto não tem importância, serve apenas de pretexto para militantes políticos fazerem seu joguinho sujo. É como no caso do Iraque: seja sob a bota de Saddam seja sob a dos militares americanos, a gente inocente é a que sempre sofre; a diferença é que os "pacifistas" só se importam com ela quando os algozes são os americanos.

O racista é um tipo detestável. E, tão detestável quanto, é aquele que acusa injustamente outrem de racista. Os responsáveis pela foto podem mesmo ser racistas. Quem sabe? O que não é admissível é fazer acusação de forma leviana, com bases em valores politicamente corretos. Eu mesmo devo ser um belo de um racista, já que considero imbecilidades (para não usar termo pior) coisas como cotas para negros em universidades, reparação financeira por conta da escravidão, chamar negro de "afro-brasileiro", etc.

Para você ver como essa questão de fotos e legendas pode ser explorada politicamente, dê uma olhada no site abaixo, onde encontrará uma foto do conflito entre israelenses e palestinos, e o mau uso que foi feito dela:

http://www.deolhonamidia.org.br/Principal/Comeco.asp

Saudações!

P.S.: eu leio seus textos no fórum do Pedal.com.br. Estou aqui a falar de Iraque, Bush e racismo, mas meu negócio mesmo é a bicicleta (hehehe).
 
luddista,

É bom poder trocar idéias com você. Apesar de termos pontos de vistas distintos, temos interesses em comum, caso contrário eu não seria leitor de seu blog.

Relendo minha primeira mensagem, vejo que fui um pouco rude com você. Essa crítica aos americanos é tão onipresente hoje em dia que acaba sendo cansativa. Mas não estou me justificando, não. Peço-lhe desculpas pela aspereza, que não é do meu estilo.

Até outra!
 
Leitor anônimo,

Eu não defendo a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, não defendo Bush. O que eu questiono é o "pacifismo" de uns que só se importaram com os iraquianos inocentes agora que o Iraque foi invadido e ocupado. Onde estava essa gente antes, quando os iraquianos sofriam sob a ditadura de Saddam Hussein?

Lembra-se de Abu Ghraib? O mundo tomou conhecimento dessa prisão por conta das humilhações aos prisioneiros de guerra promovidas por soldados americanos. O que faltou mostrar foi a tortura real promovida pelos capangas de Saddam Hussein. Se você tiver estômago, siga o link:

http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=2186

Como mais um exemplo de como os EEUU são julgados com um peso e os demais países com outro, cito o Tibete, que foi invadido e ocupado pelos chineses há mais de 50 anos! Milhares de pessoas morreram, a cultura tibetana foi arrasada pelos comunistas, o líder espiritual, o Dalai Lama, vive no exílio e não há perspectiva de que algo vá mudar. Então, pergunto: ondes estão os "pacifistas"? Por que elas não condenam a China da mesma maneira que condenam o EEUU?
 
Roberto

Tens razão, eu havia lido o texto do Snopes com pressa e sem o devido cuidado, desculpe.

Também sou contra o "racismo às avessas", como o que é pregado por alguns grupos de rap ("ei boy o que você está fazendo aqui / meu bairro não é seu lugar e você vai se ferir"), pela cota para negros em universidades (que tenta sem sucesso resolver um problema que só seria resolvido com ensino de base de qualidade e gratuito, afinal também há brancos, amarelos e verdes igualmente pobres e sem oportunidades) e outros.

Quanto a malharmos os EUA e não a China, eu pelo menos o faço porque tenho informações sobre os EUA mas não tenho tantas informações assim sobre a China. E só malho se tiver um mínimo de informações para fazê-lo, o que faz com que eu me abstenha de muitas discussões.

Aproveitando: muito interessante o link que você passou sobre a foto do judeu ferido.

Abraço,

Willian Cruz
 
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